S. guianensis
Flores de S. guianensis (Foto por Valentini, C.M.A.)

Capitiú

Siparuna guianensis (Siparunaceae)

Conhecida popularmente como capitiú, negramina, limão bravo, limão do mato,  mescla de cheiro, marinheiro, mata cachorro, catingueira de paca, fedegoso, entre outros, este arbusto da família Siparunaceae tem um cheiro marcante e é uma planta medicinal com diversos usos no Brasil. Ela é típica dos climas neotropicais e, no país, está distribuída na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. Neste último, é considerada uma das espécies prioritárias para a conservação do bioma.

Tanto as folhas quanto os galhos exalam um aroma que é comparado, muitas vezes, ao de peixes, o que facilita sua identificação. Seu tamanho chega a 3 ou 5 metros de altura e seus frutos não são comestíveis. O processo de polinização é feito por mosquitos, atraídos pelo cheiro:

Atributos

Em um depoimento concedido à antropóloga Valéria Macedo, Denise Ianairu, da Terra Indígena Baikairi, do Mato Grosso, menciona a negramina em um contexto de cura física e espiritual. Ao ter sonhos perturbadores acompanhados de fraqueza no corpo, febre e vômito, relata que sua mãe queimava folhas de negramina para espantar os espíritos, bem como cozinhava as folhas para fazer banhos

 

Entre os yanomami, a siparuna recebe o nome de mõe hi e é cultivada para fins medicinais, sendo usada para o tratamento de congestão ou inflamação das vias respiratórias. O uso se dá por meio da inalação das folhas amassadas. 

 

Em revisão bibliográfica realizada por Valentini et. al em 2010, foram encontrados muitos relatos de usos da planta entre comunidades tradicionais e povos indígenas. Segundo os autores, a decocação das folhas é bastante usada como bebida para diversos fins no Brasile e em outros países: “As folhas são usadas para compressas ou cataplasmas contra dor de cabeça e reumatismo. No Panamá e Guiana, extratos são usados para matar insetos daninhos ou como inseticidas. Na Guiana, as folhas são também usadas para preparar armadilhas para peixes devido ao típico odor da espécie que disfarça o cheiro humano. Nas vizinhanças do Suriname, a decocção feita das folhas é usada como bebida ou para banho depois do parto (Renner & Hausner, 2005). Vigneron et al. (2005), num estudo na Guiana Francesa com diferentes grupos e nacionalidades (Criolos, Palikur, Galibi, Brasileiros e Europeus), encontraram que as folhas de Siparuna guianensis, combinadas com folhas de Campomanesia spp.(Myrtaceae), são usadas como remédio anti-malária.” Os autores também reúnem as seguintes informações etnobotânicas sobre a relação dos povos indígenas brasileiros com a negramina:

Palikur (rio Oiapoque, Amapá): uso externo das folhas moídas com sal para o preparo de cataplasma antinflamatório ou o decocto para uso de banho após o parto.

Wayãpi (Amazonas): preparo das folhas e da casca do caule como chá, que, ao ser ingerido, tem propriedades de cura para febre, frios e gripe. 

Tikuna (fronteira Peru, Colômbia e Brasil): consumo dos frutos para dispepsia (queimação, inchaço, flatulência) e indigestão

Kubeo (alto rio Negro): uso das folhas para mordedura de serpente e chá dos frutos para aliviar congestão nasal e frios


Citando os povos raizeiros do Cerrado brasileiro, os autores também identificam os seguintes usos: “Em Nova Xavantina, o sumo das folhas com mastruz – Chenopodium ambrosioides L. (Chenopodiaceae) – é relatado como medicinal para pós-operatório. As folhas são utilizadas como repelentes, nos galinheiros, para piolho de galinha e, também, para uso em rituais espirituais (Duarte, 2001). Fontelle (1997) relatou em pesquisa as indicações de raizeiros, que recomendam o uso da folha na forma de decocto e infuso para malina, resfriado e banho de descarrego para mau olhado, podendo, para isso, ser associada à quina (gênero Cinchona), assim como para hipetermia e hemoptise.”

Em estudo conduzido por Aguiar (et al), verificou-se que o óleo essencial da negramina, extraído do caule, folhas e fruto, tem alto potencial como repelente contra o mosquito Aedes aegypt. Os óleos possuem alta toxicidade quando em contato com o mosquito tanto na fase larval quanto já desenvolvido. “Os principais componentes dos óleos das folhas foram β-mirceno (79,71%) e 2-undecanona (14,58%). Do caule, os componentes principais foram β-mirceno (26,91%), δ-elemeno (20,92%), germacreno D (9,42%), α-limoneno (7,91%) e biciclogermacreno (7,79%). Os principais componentes da fruta foram 2-tridecanona (38,75%), 2-undecanona (26,5%) e β-mirceno (16,42%)”, apresentam. Ao realizarem os testes, os autores apontam que este óleo essencial pode ser um método alternativo e eficiente para o controle de mosquitos em áreas rurais e urbanas. 

 

A negramina tem uma relação direta com as aves que se alimentam de seus frutos e realizam a dispersão de suas sementes. O trabalho de Gonçalves (et al) realizado em Uberlândia (MG) indica que o soldadinho (Antilophia galeata) foi o pássaro com maior potencial de dispersão de sementes e discute que a conservação da negramina passa pela necessidade incluir as outras espécies animais que contribuem para a sua existência. Aves frugívoras costumam ser sensíveis a ambientes com perturbações no habitat, especialmente as maiores, ou seja, é necessário um equilíbrio multiespécie para a conservação.

 

Por fim, a negramina/capitiú também tem usos associados a outras plantas que potencializam seus efeitos curativos, como analisa a pesquisa de Negri e Rodrigues (2008).

Os autores conduziram um estudo etnofarmacológico com o cigarro tira-capeta, utilizado por populações quilombolas no Pantanal brasileiro. O cigarro é composto pela negramina, além de erva-guiné, catuaba, arruda, cravo-da-índia, alho, entre outros, sendo utilizado para “melhorar a memória e cognição, além de possuir outras indicações terapêuticas, tais como, “contra a sinusite”, “para evitar resfriado”, e “para aliviar problemas de insônia”. Encontraram na composição dos óleos essenciais os componentes 1,8-cineol, cânfora e α-pineno, cujas discussões científicas no campo da farmacologia apontam usos e indicações semelhantes aos conhecimentos partilhados historicamente pelos quilombolas.

Certamente, o sentido que mais se destaca nesta espécie é o olfato. Seu cheiro pode ser classificado como aquilo que os paraenses denominam pitiú.

Audiovisuais:

 

Siparuna- Planta Medicinal. Em: https://www.youtube.com/watch?v=jSXWwR7dBoY 

 

Fruta não comestível do Cerrado negramina contém um cheiro forte. Em: https://www.youtube.com/watch?v=WuAun1XtaIo 

 

Conheça a negramina, uma planta medicinal do Cerrado e Mata Atlântica. Em: https://www.youtube.com/watch?v=NMhRN33fvkU 

 

Planta eficaz no tratamento de problemas da coluna vertebral e reumatismo. Em: https://www.youtube.com/watch?v=LX4TXofFJd0 

 

Negramina, conheça esta planta e seus frutos! Em: https://www.youtube.com/watch?v=_3TSD3OXQq8 

 

Leituras

 

ALBERT, B. URIHI, A- A terra floresta yanomami. 2009. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/YAL00021.pdf

 

“As meninas aprendem sentando perto das mais velhas”. Povos indígenas do Brasil. 2016. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/%22As_meninas_aprendem_sentando_perto_das_mais_velhas%22 

 

AGUIAR, et. al. Insecticidal and Repellent Activity of Siparuna guianensis Aubl. (Negramina) against Aedes aegypti and Culex quinquefasciatus. 2015. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0116765

 

NEGRI, Giuseppa; RODRIGUES, Eliana. Essential oils found in the smoke of “tira-capeta”, a cigarette used by some quilombolas living in pantanal wetlands of Brazil. Revista Brasileira de Farmacognosia. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbfar/v20n3/a04v20n3.pdf 



VALENTINI, et. al. Siparuna guianensis Aublet (negramina): uma revisão. Revista Brasileira de Plantas Medicinais. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-05722010000100014


VALENTINI, et. al. Uso e conservação da negramina (Siparuna guianensis Aubl.) em Bom Sucesso, Várzea Grande-MT. 2009. Interações (Campo Grande). Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-70122009000200007.

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